quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Who The Fuck Are You?

Who the fuck are you? Ela disse. 

Como em tudo que diz ou ao menos me parece, disse assim, do nada. Não tem contexto, ou tem mas não se sabe qual é, ela é toda misteriosa. quem vagueia pelo mundo talvez vagueie mais pelas camadas do eu. Eu não faço muito isso. Ou faço? Quem se importa com isso agora, é uma situação mais clara. Clara como obsídia, ra ra ra. Clareza, transparência, e escuridão, turvidez, parece que são pólos que se atraem, como que química ou elétrica. Como que queimando ou eletrocutando também, mas isso quem sabe seja outra história. Essa história é curta, porque tem que ser. Como são curtos os lapsos de compreensão nesse contexto ou falta dele. É que, óbvio, o contexto existe, pois é literal às vezes. Às vezes literal nas contradições, especialmente quando por exemplo se revela (marota?) executora de tradições locais num dia mas engaja com letra e música (pacote completo, gente!) no dia seguinte.

Como assim? Balbucio incrédulo, porém safo. Safo acho que os jovens nem dizem mais, eu caí num passado atrelado ao agora no qual não sei mais, exatamente, onde perdi o fio da meada. Mas vou fazendo o meu fio. No meu fio estou safo

Toca o iPod na Bose ali atrás, ele diz:
Stars align they say when
Times are better than right now
Feel the retrograde spin us round, round
Seven seas are raising
Forever futures fading out
Feel the retrograde all around, round
Hear the sound
In the distance, now
Could be thunder
Or a crowd

de repente mas nem tanto, o Gigaton está rolando faz umas horinhas já. Já mandei Dance of the Clairvoyants pra ela em retribuição ao mistério da música em letra e melodia que ela sente e me passa mas não explica muito. Cheia de mistérios ela. Mistérios e contradições, ou mistérios e evidências, quem acha contradição é o bocó. Tradições locais, ela. Seja lá o que isso seja, inclusive caso seja o literal polaco hashtag bestpartner.  Oxalá seja... sei lá... ;e estranho que não me importe? Claro que é. Ripe for comfort

Tudo que vc foi, tudo que vc é, tudo que vc será, é poeira em círculos. Você acha que vê um círculo que te prende, aparece o próximo. Você acha que se liberta de uma amarra ela reaparece repaginada. Você vê, entende, confronta e vence seus erros. Pra correr executa-los de novo. Assim que se acha "livre" finalmente. Assim que assume o leme e volta a ser capitão da sua alma você a coloca no mesmo quadro mais uma vez. Você é burro, cara! * meme alert *  

Vc é um rabo do teu passado que achava que sabia diferenciar o passado que não volta mais do futuro que te causa ansiedade pra sentir um presente que seria o agora inerente e inescusável, intocável e incomunicável com os outros tempos. Você foi como um bebê ao brinquedo no chão, bonito e colorido, com vontade de morder. 

Você machucou os dentes e recentemente descobriu, como diria Borges, que o rabicó do passado está no seu presente. E deixou de prestar atenção. Ou se eximiu das consequencias, quem se importa também nisso?

Roupa velha colorida, Jesus numa minivan, Who The Fuck Are You digo eu, penso rindo. Dinossauro bonitinho falando sobre o seu favorito, Jesus é meu sobrenome e nem sei se ela sabe, penso rindo diferente.

Confusion is to commotion
What love is to our devotion
Imperceptibly big
Big as the ocean
And equally hard to control

Toca na Bose velha branca recondicionada. Old is cool, dizem. Eu acho, até. Mas não sei se em tudo. Nessa da evidência de erros como os dos nossos pais (inclusive sendo nós mesmos os pais, no ontem, do que somos agora, porque acabamos sendo como nossos pais - e como nós mesmos um dia ou uma vida atrás), estamos aí. Who The Fuck Are You digo pra mim mesmo no espelho, penso.

Nem sei.
Sei qual a tendência, pra onde quero ir (um ego andante, diria, pra dizer que só vejo meu passos mas não os passos de quem eventualmente andar junto, né? mas os veria e os moveria - os meus - pra direção que pudesse, evidentemente). Então segue a vida, um passo de cada vez, um dia de cada vez. O segredo da vida parecia andar pelos caminhos que se abrissem na estrada, optando por A ou B nas encruzilhadas, mas indo em frente e jamais olhando pra trás.

O Diabo é que as mesmas encruzilhadas se repetem no meu caminho ou no caminho de quem vem e acabam sendo... as mesmas encruzilhadas que já tinham ficado pra trás num caminho ou no outro e ninguém mais olharia pra trás.

O maldito lá pra trás tá toda hora na porcaria da frente de novo!

A gente se liberta de usar você e vc no mesmo texto sem padronizar, de misturar primeira com terceira pessoa e singular com plural, tudo em prol de só falar como vem o fluxo, mas não se liberta tanto assim do replay da jogada que é a vida que se nos apresenta.

"O homem chega à sua maturidade quando encara a vida com a mesma seriedade que uma criança encara uma brincadeira" - Friedrich Nietzsche

PS: ninguém perguntou Who The Fuck Are You? pra mim. "Você não existe!" é o mais próximo que já chegaram. Mas serve pra licença poética.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Alma Viva - parte 2

-- Porra, eu não entendo como o senhor conseguiu passar por essa merda toda! - disse o homem bem-vestido, no seu terno alinhado, sem conseguir disfarçar seu incômodo, para o senhor calvo e enrugado, já nos seus últimos anos, provavelmente, enquanto do outro lado do parquinho, cheio de crianças muito vivas e ativas, com sua imensa gritaria, um ramo de araucária caía morto no chão.

-- Como assim? A barulheira, a irritação? ...  A sujeirada dos pinheiros no gramado? - perguntou vacilante o velho.

-- Não, não... com isso tudo eu sei que a gente se acostuma. O que estou pensando é: Como conseguiu ver família crescer, crianças nascerem, de adultos que te sacanearam, enganaram, maltrataram, até agrediram fisicamente? Como você faz pra ser o cristão bíblico, para virar mesmo a cara a cada vez que essa gente toda te dá um tapa?

-- Ah! Um sábio babilônico, certa vez, disse que no reino em que...  - começou o velho, com um sorriso meio sem graça, naquela já conhecida tradição de levantar de ombros e dar uma justificativa obtusa qualquer para não se abrir de verdade.

-- Me desculpe, respeito o senhor... - corajosamente desafiou o mais novo, interrompendo... - Mas não vem com essa pra cima de mim. Não sou mais como aquelas crianças na gangorra, que aceitam qualquer balela como história interessante. Eu gostaria de ter uma conversa adulta com o senhor. Sei também que é natural sua tendência a contar essas historinhas, assim o senhor fez por 80 anos ou mais. Eu te peço que saia do lugar comum e converse de verdade comigo. Me diga o que pensa, escute o que eu penso, não desvie para respostas fáceis, lendas tradicionais que explicam mas não justificam. Seja sincero, se conseguir.

-- Bom, posso tentar. Me desculpe!

-- Nada a desculpar. Como consegue sorrir ao estender a mão para um primo que fez dívidas, te convenceu a assumi-las, prosperou e nunca nem mesmo te agradeceu, nem mesmo tocou no assunto por décadas? Como consegue sentar no seu colo filhos de irmãos que mentiram, enganaram, roubaram, tergiversaram e te trouxeram complicações diversas... e ainda te criticam por não ter estado próximo o suficiente quando perderam, sozinhos, bens e família? Como faz para aceitar em seu convívio o genro que te ameaçou matar por dinheiro, nunca pediu desculpas e ainda demanda que trate sua filha, esposa dele, de um jeito ou de outro? Como o senhor consegue viver em meio a tanto veneno?

-- A resposta fácil é a que você não quer ouvir. A complicada é a que você entenderia do seu jeito, caso desse tempo ao tempo. - Disse o velho, dando uma pausa.

A alteração nas feições do interlocutor incomodou um pouco o mais jovem. Notava-se que entrariam num assunto que não agrada ao mais maduro, algo como a sujeira embaixo do tapete.

-- Eu aceito qualquer uma. - Foi tudo o que conseguiu dizer o mais inexperiente.

-- A verdade, para mim, é que a vida mata a alma. Mas há uma outra coisa que atenua essa constante diária que a vida nos dá, essa habitual perda de vida que cada um dos que vivem ao nosso redor nos dão, dia após dia. - Sempre tentando dar um pró a todo contra, o senhor continuou:

-- Não existe vida plenalmente satisfatória em conjunto com outros homens. Homens têm essa natural tendência a matar a alma. Eles se conectam como formigas, batendo antenas aqui e acolá, mas pouco se dedicam a conectar de verdade, a estabelecer relações profundas, a viverem de forma sincera e aberta seus amores, rancores, dúvidas e sonhos. Homens vivem por si, para si mesmos. Não se pode fugir dessa circunstância.

Embora perdendo um pouco a paciência com tamanho malabarismo para que o assunto de verdade fosse abordado, o mais novo calou-se e procurou sentir o que vinha das palavras do outro, que continuou:

-- A natureza foi sagaz e irônica ao dar ao homem esse destino ao mesmo tempo trágico e nobre: quanto mais se busca a felicidade pessoal, quanto mais se trabalha em prol da satisfação pessoal, nos dias de hoje, com os valores e o quadro social que vemos, mais se mata a alma de alguém ao redor. O rico empresário mata a alma do trabalhador braçal que dele depende, o sortudo ganhador da Mega-Sena mata a alma dos milhões de outros concorrentes que não acertaram os números... Aquele que ama, em parte mata a alma do ser amado também.

-- Que depressivo isso... -- é tudo o que foi capaz de pensar o mais novo, já se arrependendo de ter cutucado um velho a respeito de qualquer coisa mais profunda do que aquela criançada toda brincando poderia deixar ser conversado.

-- Calma... o que quero dizer é que a sobrevivência da alma, o que quer que nos torna capaz de sobreviver "a essa M toda", como você me perguntou, não depende do ciclo repetido de destruição em busca da construção, que faz parte da natureza humana. - Pontuou o velho, sem ouvir o pensamento do novo, mas percebendo o seu desconforto. E seguiu:

-- Ser homem, ser humano, é buscar de algum modo ser amado. E quem busca ser amado, com os valores e ordem social que vemos, atinge terceiros... querendo ou não. Ninguém é feliz, no sentido social do termo, sozinho e isolado. É em relação que se busca e se obtém - não sem algum infortúnio - a felicidade no sentido comumente aceito do termo. Dessa roda, dessa rede de Indra, não conseguimos sair nunca.

O mais novo conhecia o conceito da rede de Indra, segundo a qual não existe ato humano isolado. Todo e qualquer agir deixa marcas nas pessoas ou nas coisas ao redor. Ou seja, tudo é amplamente conectado, em algum nivel, e todo ato promovido (ou negligenciado) por um homem afeta os demais, o planeta e tudo o resto em algum nível. Mas o velho senhor não precisava explicar, eram conceitos sobre os quais ambos já tinham alguma noção.

Havia entre eles uma constante tensão, nenhum dos dois sabia exatamente o porquê. O novo achava que vinha de trejeitos estranhos do velho, como dizer "essa M toda", soletrando "eme" em vez de simplesmente usar a palavra "merda". O velho, ao contrário, achava que a tensão era fruto de séculos de embates entre as gerações, o mais novo sempre desafiando e criticando o mais velho. Como ocorrera entre o velho e seu saudoso pai.

A tensão, no entanto, era sempre sentida por ambos. Ambos tentavam escapar dela há anos, ambos procuravam e testavam métodos que considerassem hábeis a reduzir um pouco a névoa de dúvidas que nutriam um pelo outro nesse aspecto. Mas aí estava... parece que todo assunto, qualquer papo, sempre, levava à exasperação desse sentimento mútuo de confronto entre eles, embora racionalmente soubessem que não existia confronto - era apenas alguma parte, algum recôndito do inconsciente, que procurava atração, conexão e pensar comum entre eles. Só que, lamentavelmente para o duo, eles eram muito diferentes e tinham concepções muito distantes - fruto talvez da diferença de idade, talvez do que tinham um e outro vivido...

Mas ambos sabiam, também racionalmente, que precisavam sempre se manter atentos quando conversavam. Mais importante do que o que diziam um ao outro, sempre, era o aceitar e entender o que ouvia um do outro.

"No pai, no gain!", pensou o mais novo, aceitando que já estava a caminho de brigar com o velho de novo, mas conscientemente decidindo reverter o prumo da discussão.

"Um dia deixo esse insolente falando sozinho, mas por enquanto aproveitarei toda companhia que puder ter, nesses últimos anos de lucidez", deixou fluir pela mente o mais antigo, tentando articular um jeito de atenuar o clima e, simplesmente, continuar conversando sobre esse assunto que amava.

Ambos, no mesmo instante, então, chegaram a um mesmo ponto na conversa, por vias distintas. O velho, compreendendo a seu jeito a intolerância da juventude e a história das coisas, imutável que é (ao menos para ele, nessa fase da sua vida, em que expressamente rejeita mudanças quaisquer), simplesmente deixa aquele vislumbre de compreensão da arte, o assunto inicial, chegar à conclusão que considera capaz de ser entendida pelo "über-crítico" homem mais jovem:

-- O que deixa a alma viva, meu caro, o que pode te servir como um respiradouro, um tanque de oxigênio no meio desse mergulho do qual você sai quando morre, é a arte. Na arte você tem algo além com que se conectar que apenas pessoas e coisas. Na arte você encontra o refúgio para as suas ideias e convenções mais malucas, na arte você encontra o preenchimento para suas batalhas pessoais mais distantes daqueles ao seu redor, você constrói um forte capaz até de sustentar seus anseios mais reprovados pela sociedade e pelos que você ama. Só na arte você vive a sua plenitude, como no Amor, mas com uma diferença fundamental: na arte é só você, não há relação interpessoal, não há um outro alguém. A arte é o único alimento pleno da alma, e assim ela te deixa vivo... ainda que a morte sobrevenha.

O menos experiente homem, atento, e por certo aceitando a influência e presença constante de seu próprio passado, de seu próprio trajeto e caminho que o trouxe até aqui (o qual, por certo, era infinitamente diverso e de valores distintos em comparação com o do homem com provável menos tempo ainda por viver), depois de uma longa pausa, experimentou dizer:

-- Sem arte a alma não vive, apenas sobrevive... esse sistema orgânico que temos temporariamente, com duração limitada a, sei lá, 90 ou 100 anos hoje em dia, apenas te leva de um ponto a outro. Do nascimento à morte. O que existe entre os dois pontos pode ser sua sobrevivência, apenas, ou pode ser a vida plena. Embora existam múltiplos aspectos capazes de atribuir valor a essa existência plena, como o amor e a construção de uma sociedade melhore, por exemplo, ela, a vida - de per sí - acaba um dia. Exceto no que se refere á alma. Ela te deixa vivo por tempo indeterminado...

Ambos os homens, quase satisfeitos, sentiam estar concluindo algo semelhante, embora tenham subido a ladeira até esse cume por lados completamente diferentes do mesmo morro. Então a arte deixa a alma viva, nisso podiam concordar.

Enquanto vive o homem, consoante o pensar de quem se prende ao que comumente se considera a última parte de uma vida longa, é na arte que ele vive plenamente.

Depois de morto o homem, conforme pensa quem ainda não sente tanto a proximidade do fim do seu ciclo de vida, é a arte que dá à alma a imortalidade.

-- Dali, Rodin, John Lennon, Mozart... todos morreram, mas sua alma é eterna e ainda pode ser perfeitamente alcançada, sentida, tocada, em suas obras. As pinturas malucas de Dali, embora tenham a tina seca, são cheias de movimento, conversam com nosso inconsciente, dialogam com nossas partes mais íntimas... estão VIVAS e ainda podem, ainda poderão, por muitos anos, mudar e tocar o coração de muitos homens."O Pensador", mesmo estático, está vivo - e nele está em movimento, em constante troca de conexões com todos aqueles que se aproximam e o observam, a alma eterna do artista. A música de Lennon, o sentimento, o infinito que ele transpôs em versos e notas, vai muito além de uma linha pela qual alguns de nós segue na vida - ela é constante calor e afeto que nos pega pelas mãos para nos levar a algum lugar. A alma de Mozart, mesmo com ele a sete palmos - faz tempo - não ficou enterrada com ele. A sua arte deixou sua alma viva, até hoje e para o além. - Disse o senhor.

-- Da mesma forma, embora estáticas ou mesmo imateriais, essas coisas todas como esculturas, pinturas, partituras, sons, em algum nivel molecular não são e nem estão estáticas. Em algum nível, há elétrons ou outras particulas ínfimas quaisquer que, não limitadas pelos estreitos contornos físicos do mármore ou do papel, entram em constante troca com o mundo supostamente exterior e não param nunca seu constante movimento, fazendo com que os homens que nelas se dediquem, que delas se aproximem ou simplesmente permitam que seus cérebros deixam todas as notas entrarem, troquem algum tipo de conexão com a alma viva do artista. De certa forma, a energia que o artista pôs na sua arte permanece viva e em constante movimento, mesmo muito após sua despedida do mundo concreto. Física, metafórica e até emocionalmente... - Completou o homem mais novo.

Não que fosse a primeira vez, mas ali, deixando-se conectarem pela arte, em um terceiro nível ainda - o da eleição dela como fator imprescindivel para uma vida "viva", digamos assim, os homens superaram diferenças históricas e sentiram-se, cada qual do seu jeito, cada qual com sua base e passado emocional, cada qual com sua crença, e ainda que por um átimo... vivos.

A arte deixa a alma viva...

domingo, 1 de janeiro de 2012

Alma Viva - parte 1

Sentia-se velho, cansado, sem forças para continuar procurando meios de convívio com aquelas pessoas tão diferentes.

Em mais um fim de ano, pela primeira vez em casa desde muitos e muitos anos em diversos lugares diferentes, pôs-se a pensar no que poderia servir de novo estímulo, de novo gás, para enfrentar mais do mesmo.

Pensava no que vinha fazendo bem em tempos recentes e não podia deixar de sentir, na música, uma salvação, uma fonte de inspiração e até um valhacouto para os momentos de árdua luta contra a vontade de fugir, jogar tudo pro alto e tentar tudo novo, diferente, sem amarras.

Sentia que tudo se relacionava entre si, tudo era o mesmo, o mesmo era tudo. Sem dúvidas, compreendia o que olhar alcançava. A sensação de ser ao mesmo tempo perdido, perturbado, mas igualmente senhor da compreensão e de um notável saber a respeito do porquê todo mundo, o tempo todo, correr tanto atrás de satisfação pessoal, trazia um certo desconforto. Era um desconforto aparentemente confortável, na verdade, pois tudo não passava de uma linha de ecograma, tudo, no fundo, se traduzia no plano simples em 2D de uma linha daquelas nas telas dos equipamentos médicos nos filmes: picos, flat, downs... peep... picos, flat, downs...

Mas o que mantinha a tal linha viva?

O que, afinal, nos faz vivos?

Pouco tempo antes disso o jovem idoso já tinha sentido a vida no amor. Aceitara, gostara da sabedoria presente no mais básicos dos clichés humanos, esse de que all is love, love is all. Tudo bem. Estava vivo, então. Como um pé de abacate, talvez. Vivo, dando frutos, pronto para semear e fazer a roda da vida girar. Mas... inerte.

Como sair da inércia?

Como, onde, encontrar um mecanismo capaz de ir além de simplesmente manter vivo esse organismo?
Como dispor, como brincar, como libertar para viver intensamente a sua alma?

Entendera, naquele instante, que a arte dá vida à alma. A arte deixa a alma viver!

sábado, 31 de dezembro de 2011

Argumento

Tal qual água em ebulição é a mente humana.

Não importa o tamanho, a forma e a qualidade da panela, que representa os limites físicos temporários daquela personalidade ali contida... dado o tempo e a aplicação de energia apropriados, haverá ebulição.

A vida em sociedade demanda um certo controle da temperatura desse ambiente de fogão metafórico. Sem controle, queima-se gente. Sem atenção aos mecanismos reguladores do fogo, fere-se quem se aproxima daquele monte de água que, de uma hora pra outra, passa de um estado de aparente calma para o fervilhar. É física, é natural.

Aqui, neste espaço, fervura.

Inicia-se nos primeiros momentos de 2012 um projeto cuja função é dar vazão a emoções, tal qual uma ebulição controlada.

A grande dúvida é, por hora, saber se a ficção e o espaço infinito para a vazão de ideias e emoções pode ter o condão - desejado - de exercer um maior controle sobre a fervura do dia a dia. Veremos...

Mas o que quero registrar, aqui, é a ideia, a proposta: aqui, farei ficção.
Não, não é coincidência e não, não é de você que estou falando. É ficção.
Estou falando dessa água toda, estou brincando com o fogão, estou lidando com a ferverura... Aqui, estou testando os limites do fogo, da água e de tudo entre eles. Aqui, não há limites para ideias, não é dever social, não há pessoas nem fatos - há apenas bolhas d'água esperando para nascer, estourar... e entrar em ebulição.